Bolha ou ovo? Carro ou moto? A verdade é que eram muito estranhas aquelas engenhocas que, no final da década de 50, passaram a frequentar ruas e estradas brasileiras. Os Romi-Isettta tornaram-se uma sensação. Passada a fase do modismo, porém, o nosso nascente mercado consumidor voltou ao hábito dos carros grandes. E a pioneira Romi, de Santa Bárbara d´Oeste, SP, deixou de produzi-los. Foi uma coincidência mundial. Também na europa, onde surgiram, os "bubble cars" (carros-bolha) começaram a perder seu espaço.
Esses carrinhos apareceram primeiro na
Alemanha, no final dos anos 40, para atender a um respeitável mercado composto de
consumidores ávidos por aventura e extravagância. E com pouco dinheiro no bolso.
Construtores como Hermann Holbein, da herrlingen, começaram a produzir minúsculos carros
de dois lugares equipados com motores de motocicletas de 250cc para "preencher a
lacuna existente entre a motocicleta e o carro pequeno atual.
O impacto inicial do lançamento desses
carros foi restrito, apesar da inovação técnica de sua suspensão por borracha em
torção. Mas, se em 1952 as vendas dos Champion de Holbein eram ridículas, no ano
seguinte chegaram a um total de 2.000 unidades.
Em 1955 a
produção dos Champion foi totalmente assumida pela Maico, fabricante de motocicletas,
pois a Herrlingen de Hermann Holbein simplesmente não dispunha de força industrial para
continuar tocando o projeto.
Também em 1953, na Itália, surgia o
primeiro Isetta, já no formato de ovo, como ficou conhecido no Brasil. Produzido pela
Iso, de Milão, tinha motor traseiro de dois tempos, inicialmente com 197cm3 e depois com
236cm3 e dois cilindros, que dispunham de apenas uma câmara de combustão, comum aos
dois.
"Corajosa e engenhosamente pouco
ortodoxo", simples, mas de modo algum grosseiro, pequeno, mas bonito, o Isetta
poderá revelar-se o pioneiro de um desenvolvimento tão importante quanto a motoneta que,
firmada primeiramente na Itália, estabeleceu-se agora em toda a Europa e até mesmo em
lugares mais distantes", comentava The Motor numa de suas edições de 1955, ano em
que o Isetta passou a ser produzido também na Bélgica.
Montado em chassi tubular que se afunilava
na traseira, com eixo de bitola estreita (o diferencial era dispensável, pois a
distância entre os eixos não excedia 48cm), ele tinha rodas dianteiras com molas
independentes. Seu motor de dois tempos, sustentado por borracha do lado direito do
chassi, acionava as rodas traseiras por meio da transmissão de quatro marchas
sincronizadas e de corrente dupla totalmente coberta.
Mas a coluna de direção era
a característica mais marcante do Isetta. Montada na parte dianteira, com juntas
universais no fundo, a direção ia para a frente ao se abrir a porta.
Era, enfim, basicamente um carrinho de
forma arredondada, com janelas largas. Seu tipo deu origem ao apelido pelo qual seriam
conhecidos todos esses veículos econômicos de sua época: "carro-bolha". Com
apenas 225cm de comprimento, o Isetta podia ser estacionado com a porta junto ao meio-fio
- nessa posição, quatro desses carros-bolha ocupavam praticamente o mesmo espaço que um
automóvel americano de tamanho médio.
E é claro que seu desempenho estava longe
de poder ser considerado assombroso, embora se falasse de um consumo de 20km/l e de uma
velocidade máxima de 80km/h.
A montagem dos Isetta era também feita na
França, pela Velam, mas eles só ficaam famosos, mesmo, depois que a BMW alemã passou a
produzi-los, em 1954, aprimorando as especificações com motores monicilíndricos de
quatro tempos e 245cc, de sua própria fabricação.
Das linhas de montagem da BMW passaram a sair 200
unidades por dia; em fins de 1956 o chassi já fora reprojetado, e uma versão
conversível ganhara as ruas. Já na Itália, um ano antes, a Iso interrompera a
produção dos seus Isetta.
Em outubro de 1956, mais de 80.000
carros-bolha haviam sido produzidos nos últimos dezoito meses, pela BMW e pela Glas - o
mercado parecia bastante promissor. Por ocasião do Salão de Frankfurt, a imprensa
assinalava que o grosso dessa produção era de carros pequenos genuínos, e não de
motonetas, embora as diferenças parecessem puramente terminológicas.
"Na verdade", acentuava The
Autocar, "tendências de queda repentina não foram observadas pelos fabricantes de
carros pequenos genuínos, enquanto os fabricantes da variedade motoneta tiveram que
diminuir a marcha e até reduzir o ritmo de trabalho."
E surgiram novos fabricantes, como a
popularíssima Messerschimitt, que em 1953 assumira a produção do carro de três rodas
da Fend. Em 1958 e 1960
ela oferecia no mercado uma versão de quatro rodas e motor de 500cc, o TG500 Tiger. O
motor era um Sachs de dois tempos, e a inversão foi criada com a troca da popularidade do
Dynastart e com a transferência do motor para a parte traseira.
Em 1954 outra famosa fábrica de aviões, a
Dornier, mostrou um carro-bolha de quatro rodas ainda mais extravagante, cujos bancos
davam-se as costas; e o motor monocilíndrico ficava colocado exatamente entre eles.
As duas portas, dianteira e traseira, deram
origem ao nome do carro projetado por Claudius Dornier: Janus, o deus romano de duas
caras.
A licença para sua fabricação foi dada a
uma montadora de motos, a Zündapp, que acabou modificando o projeto original. Este previa
a construção completamente sem chassi e direção com pinhão e cremalheira montada tão
para frente que era preciso um braço intermediário para ligar a cremalheira às bielas
da bitola e do eixo oscilante do diferencial, A Zündapp manteve o mesmo esquema para o
chassi, mas adotou uma nova caixa de câmbio de quatro marchas e arredondou ainda mais as
formas do Janus.
O motor, monocilíndrico horizontal de dois tempos e
248cc, desenvolvia 14cv, o suficiente para chegar aos 85 km/h e a um consumo de 23km/l.
Mas em 1958 decidiu-se que sua produção deveria ser suspensa.
Depois da Messerschimitt e da Dornier, a
Heinkel, outro gigante da indústria aeronáutica alemã, entrou também no mercado dos
carros-bolha, lançando em 1955 um três rodas semelhante ao Isetta. No ano seguinte, seu
motor passou de 175cc para 204cc, e o carro ganhou rodas duplas traseiras. Em 1958 s
licença de fabricação passou para a Dundalk, da Irlanda do Norte, que a repassou quatro
anos depois para a firma inglesa Trojan. Foi o Trojan 200, um projeto já obsoleto e sem
maiores pretensões.
Semelhante ao esquema do Heinkel original
era o do Fuldamobil, que surgiu em 1950 como um cupê de aparência estranhíssima e
painéis de alumínio sobre uma estrutura de madeira.
Sua
suspensão dianteira, independente, consistia em forquilhas forjadas, aparafusadas às
extremidades de uma mola tansversal - em 1956 suas rodas passaram a ser duplas.
"Relativamente rápido" era o
Goggomobil, de 293cc, produzido pela Glas "como pipoca": 170 por dia. Mas, no
final de 1956, ele já perdia suas características de bolha para se transformar num
autêntico carro pequeno.
O Spatz (pardal), depois Victoria, foi
fabricado de 1955 a 1958 pela Victoria, subsidiária de uma das maiores produtoras de
motos da Alemanha. Era considerado "o Mercedes do homem pequeno". Em 1956, ao
tourer aberto original juntou-se um cup
6e com as portas em forma de asa de
andorinha, que antes já tinha inspirado a concepção do Mercedes 300SL.
Nessa época os carros-bolha já apareciam
também em outros países, além da Alemanha e da Itália. O Opperman Unicar inglês
sobreviveu por três anos, até 1959, com suas quatro rodas, bitola traseira estreita e
sem diferencial. Montado na traseira, seu motor era um British Excelsior monocilíndrico,
de dois tempos e 322cc. Custava apenas 399 libras e 10 shillings.
A característica mais interessante do
Unicar era a sua estrutura, que consistia em uma plataforma integral de fibra de vidro
reforçada com aço laminado de cada lado e liga à carroceria, igualmente de fibra.
Esse mesmo ano de 1956 assistiu ao
surgimento do Berkeley, de motor Anzani, também construído em fibra de vidro. Com
tração dianteira, representou um dos modelos mais esportivos dos bolha. Sua projetista,
Laurie Bond, tornara-se célebre por seu Bond Mini-Car, de 1949. O berkeley, porém, saiu
de cena em 1961.
Dos ingleses, um dos projetos mais
memoráveis foi o do Scootacar, um curioso dois lugares equipado com motor de 197cc.
Versões posteriores foram dotadas de motor de 324cc. Em seu aspecto, sobressaía a
impressão de que o Scootacar era alto demais para sua largura.
Um dos menores de todos os carros-bolha foi
o Peel, monoposto de 49cc cuja maior distinção é Ter sido o único veículo produzido
na ilha de Man. Tinha 134cm de comprimento e surgiu tarde demais no mercado, em 1962,
quando os bolha estavam em queda. Era tão leve que a marcha à ré foi considerada
desnecessária, pois ele podia ser virado com as mãos.
Os carros-bolha eram, em muitos aspectos,
deficientes demais para sobreviverem por muito tempo. E seus produtores simplesmente
deixaram a idéia de lado ou, então, passaram para projetos mais substanciais.
Tentativas mais recentes foram o Bond Bug
japonês, no começo dos anos 70, e o Ghia Trio, dez anos depois. O ghia, que deveria
abrigar três pessoas, não passou da fase de protótipo.
A experiência acabou mostrando que os
carros-bolha já nasceram com um projeto destinado ao fracasso. Ocorre que, desde o
início dos anos 20, com o Austin Seven, e muito depois, com o lançamento do BMC Mini,
já ficara evidente a possibilidade de aliar condições de conforto a um desempenho mais
que razoável, dentro de parâmetros de custo e dimensões espantosamente reduzidos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário